quinta-feira, 26 de abril de 2012

Copiado do blog "Escreva Lola, Escreva"


QUINTA-FEIRA, 26 DE ABRIL DE 2012

“ME ACHO FEIA E MAGRICELA. ME AJUDA!”

Recebi o email abaixo, e quero aproveitá-lo para minha seção de perguntas e respostas.  

Meu nome é Laura e vim te parabenizar pelo seu blog, que é simplesmente maravilhoso! Lindo! Agora vem a parte difícil: eu queria muito a sua ajuda para um probleminha... Tenho treze anos e me acho feia e magricela, sabe? Nunca contei a ninguém porque tenho certeza que vão falar “Nossa, você é magrinha, meiguinha e ainda reclama. Tem um monte de gordinha que dava tudo para ser como você!”. Mas isso não ia me fazer sentir mais especial, sabe? Vimemos em um mundo em que a busca pela perfeição é uma rotina e já estou cansando disso. Me sinto feia e fora dos padrão... Não tenho olhos azuis ou verdes, não são tão alta digna de uma modelo e apenas estou perdida... Por favor, responda.

Minha resposta: Laura querida, queria muito poder te ajudar. Queria mesmo que uma resposta minha te resguardasse de todo o condicionamento da sociedade sobre o que é ser linda. Mas isso não é possível. Acho que já narrei uma conversa que tive com uma amiga, também feminista, doutora, e crítica da mídia: ela estava perguntando como que a gente, que está a par de toda a manipulação, que estudou e continua estudando tanto, não está a salvo de se deixar abater por um padrão de beleza que insistem em nos impor? É muito, muito difícil se autoaceitar. Somos ensinadas a odiar nossos corpos. Recebemos dezenas de lições todos os dias, vindas de todos os lados, de como nossos corpos são inadequados e vergonhosos, e de como problemas que a gente nem sabia que tinha precisam ser resolvidos com a máxima urgência (por exemplo: clareamento anal). 
Não vou entrar na questão de que você provavelmente é linda, ou que você, por ser magra, já tem a vantagem de estar mais próxima do padrão de beleza vigente. Você já percebeu faz tempo que “a busca pela perfeição é uma rotina”, e, com treze anos, já está cansada. Parabéns por se cansar. Tem gente que passa a vida toda buscando essa perfeição que jamais virá -- e não se cansa, não se revolta. 
A pergunta talvez seja por que nos cobram essa busca eterna pela perfeição. Bom, a pergunta está muito inocente, muito sem sujeitos. Quem nos cobra? A mídia, nossos pais, nossos amigos, quem nos educa, todo mundo. E quem é cobrada? Certamente mulheres são cobradas pela beleza física muito mais do que homens. E quando digo “são cobradas” não excluo, de jeito nenhum, que nós mulheresfazemos enormes cobranças a nós mesmas. Aprendemos a ser implacáveis umas com as outras. Aprendemos que temos que estar sempre competindo, que o prêmio é a aceitação dos homens, e que nossas armas são a aparência física. Parece que é só isso que importa, né? Só nossa aparência, como se não tivéssemos ideias e conquistas que não dependem em nada da aparência.
Acho que há duas vertentes principais que respondem por que somos cobradas pela perfeição física. A mais óbvia é: pra consumir. Se a gente estivesse satisfeita com nossos cabelos, não gastaria um monte de dinheiro com cremes especiais, hidratação, pintura, cortes mil, chapinha, fivelinha, e sei lá o que mais se usa no cabelo. Fazer mulheres se sentirem feias dá muito dinheiro. 
A outra vertente -– que não necessariamente contraria a primeira –- é que fazer com que as mulheres se preocupem unicamente com sua aparência nos distrai de pensar em coisas mais importantes, como, sei lá, mudar o mundo e ser igual a um outro gênero aí. Trata-se de uma forma de opressão extremamente eficiente. Pense em quantas meninas sabem que serão julgadas por sua aparência e, por esse motivo, evitam falar em público. Tem mulher que não vai à praia por ter vergonha do seu corpo. Se a gente pensar bem, verá que a exigência pela perfeição começou a vir com tudo num momento em que as mulheres estavam cada vez mais fortes. Foi no final dos anos 60 que o padrão de beleza ficou mais magro (e, portanto, mais impossível de se atingir). Um dado que eu considero interessantíssimo é que a celulite foi inventada nos anos 70. Não que ela não existisse antes, óbvio, é só que não era algo visto como preocupante. Não era um problema, e, portanto, não havia nome pra esse “mal” que acomete tantas mulheres. E quem é mais fácil de dominar? Alguém autoconfiante, que se gosta, ou alguém que se odeia? Imagine como deve ser acordar todo dia, se olhar no espelho, e gostar do que vê, em vez de ficar procurando mil e um defeitos? Imagine o poder que essa atitudenos dá.
Uma pergunta que você deve fazer a si mesma é: por que você quer ser linda? Por que estar fora do padrão (não ser tão alta ou ter olhos claros) te aflige? A propaganda vendida pra gente é que pessoas lindas não têm problemas, que a vida delas é perfeita. Mas ninguém acredita nisso de verdade. A contrapartida é que mulheres feias (e temos nomes pra elas que não temos pra homens: baranga, mocreia, dragão, etc) não seduzem ninguém e morrem sós. A gente também sabe que isso é mentira. Afinal, a enorme maioria das mulheres no Brasil está fora do padrão de uma Gisele ou Ana Hickman, e mesmo assim continuamos transando, namorando, casando, enfim, tendo relacionamentos afetivos e sexuais. 
Logo, você não ser tão alta ou não ter olhos claros só deve te preocupar se você quiser seguir carreira de modelo ou miss. E, claro, nem toda modelo ou miss tem olhos claros, mas digamos que grande parte siga um padrão de cor, altura, magreza, pernas quilométricas, cabelo liso e tal. Aí a gente lê as entrevistas delas e quase todas dizem que, quando tinham 12, 13 anos, eram consideradas feias na escola... Você quer mesmo fazer parte de um padrão de beleza em que até as modelos ou estão fora da realidade (todas são photoshapadas à exaustão) ou são vistas como feias? Pra quê?

P.S.: Recomendo muito que você veja o documentário Miss Representation. Ele fala de como a mídia insiste que o único poder que as mulheres têm é a beleza, e como esse “poder” nos restringe de lutar por formas mais construtivas de poder, como representação política e posições de destaque na nossa vida profissiona

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