sábado, 5 de maio de 2012

de "CARTA MAIOR"


05/05/2012

O escrutínio da austeridade

Se alguém viveu distraído as últimas três décadas de supremacia do Titanic neoliberal, que naufragou ruidosamente no colapso financeiro de 2008, os últimos quatro anos colocaram a disposição um compacto eletrizante com as piores cenas do que é capaz aliança entre a desregulação das finanças e o suicídio da austeridade ortodoxa. A vítima é o corpo social europeu mutilado por governantes armados da firme disposição de privilegiar bancos e credores, ao mesmo tempo em que sacrificavam direitos, conquistas trabalhistas, serviços públicos e investimentos na pira da purga recessiva. 

As cenas finais dessa imolação tangida pelo chicote germânico de Angela Merkel mostram uma montanha desordenada de escombros sociais e políticos arrematada por 17 milhões de desempregados - recorde europeu no pós-guerra. O conjunto faz da UE hoje a sigla tenebrosa de uma empresa demolidora que devasta a mais sólida rede de conquistas da civilização impostas ao capitalismo pela resistência progressista dos últimos 60 anos: o hoje esquelético Estado do Bem Estar Social europeu.

Sob o pó desse desmonte dois países vão às urnas deste domingo no escrutínio da austeridade suicida. Fique claro: são decisões locais de alcance mundial. O que se julga nas urnas presidenciais francesas e na Grécia - que renova 160 cadeiras de seu parlamento também neste seis de maio - é o passo seguinte da maior crise do capitalismo desde 1929. Não tanto pelas alternativas difusas ao repto de uma direita que dobrou a aposta em direção aos icebergs, apesar do oceano coalhado de corpos ao seu redor. 

Hollande não é Mélenchon e, na Grécia, o naufrágio do PASOK pode fortalecer a Nova Democracia, mais à direita, embora a esquerda tenha a chance de fazer 25% das cadeiras para se tornar o voto de minerva no Legislativo. Mas uma derrota de Sarkozy e dos kamizazes gregos - perdendo a atual maioria - enviará uma mensagem encorajadora ao mundo, sobretudo aos governantes progressistas e às forças democráticas: não basta mais lutar a guerra do dia anterior; a denúncia e a execração do credo mercadista está consolidada nas urnas. 

Trata-se agora, na Europa como no Brasile no resto do mundo - e essa parece ser a percepção bem-vinda do governo Dilma, a julgar pelas decisões na esfera dos juros e pelos discursos recentes da Presidenta - de acelerar a construção das alternativas consequentes ao modelo que naufraga. Caso contrário, há o risco de se morrer na praia, tragados pelo vácuo do afundamento conservador.
Postado por Saul Leblon às 10:09

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