domingo, 29 de julho de 2012

Não há dissidência: São porcos por sua livre e expontânea vontade.....

Esclarecendo: Razões históricas do ódio palestrino



Cabe uma revisita ao tema que frequentemente é debatido sem a devida informação histórica. Seria o Palmeiras o resultado de uma dissidência direta do Corinthians?

A resposta é “não”. No entanto, trata-se de um “não” complexo. No ambiente político da segunda década do Século 20, os dois clubes expressam diferentes concepções filosóficas nascidas na mesma colônia.

Ao contrário do que se possa imaginar, a Itália nunca teve coesão. Já na Roma antiga, havia forte inimizade entre “optimates” e “populares”. São estes primeiros, da elite conservadora, que combatem Julio Cesar, especialmente por seu empenho em conceder direitos às massas.

No ambiente político da segunda metade do Século 19, a Itália é um país profundamente dividido e confuso. A rigor, a Itália unificada moderna surge somente em 1861, quando Vittório Emanuelle II de Savoia converteu-se em soberano.

É época de furioso debate político. No cenário do Risorgimento, o pensamento político do carbonário Giuseppe Mazzini não é marxista, mas é republicano e, em teoria, progressista. O país unificado, ao contrário, ganha um soberano, da Casa de Savoia.

A Itália cultiva ódios seculares. Em 1868, por exemplo, um jovem de 14 anos protesta contra a injustiça social numa carta raivosa enviada ao rei. Pela “insolência”, acaba preso. Seu nome é Errico Malatesta.

Esse revolucionário precoce adere ao anarquismo já em 1871. É um dos mais dedicados militantes da causa. Nos anos seguintes, trata de disseminá-la também entre os italianos que emigravam para as Américas.

Cabe dizer que no fim do Século 19 havia desemprego e fome na Itália. Durante décadas, muita gente foi simplesmente “exportada” como mão de obra barata. O objetivo do governo era aliviar-se do excedente populacional.

A contratação desses trabalhadores atendia aos interesses do capitalismo nascente nas Américas. No Brasil, o povo da bota substituía os negros nas senzalas, em situações análogas, trabalhando duramente para os barões do café.

Os militantes ítalo-anarquistas foram os primeiros a protestar contra o sistema de exploração do trabalho imigrante. Na aurora do Século 20, a colônia é fortemente influenciada pelos escritos de Oreste Ristori e Gigi Damiani, que escreveram em jornais como o La Battaglia e se dedicaram à criação de escolas libertárias.

Na capital paulista, o movimento anarquista influencia fortemente os trabalhadores da indústria nascente, de modo especial em bairros como Lapa, Bom Retiro, Brás e Belém.

Cabe lembrar que parte dos imigrantes da “bota” já era, desde a década de 1890, influenciada por ideias conservadoras e nacionalistas dos “fasci”, grupos de doutrinação política que atuavam em várias cidades italianas.

Nas primeiras décadas do século passado, o pensamento de extrema-direita, autoritário e violento, amadurece numa Itália empobrecida e dividida. Vale destacar que o fascismo adquire solidez doutrinária já em 1919, por meio dos escritos e da ação de propaganda de Benito Mussolini.

Essa corrente tem, entre outras características, uma ideia de suprematismo. São italianos saudosos da glória romana, quase sempre praticantes da xenofobia, mesmo quando vivem em outros países.

O Sport Club Corinthians Paulista nasce fortemente influenciado pelas ideias anarco-humanistas. A rigor, muitos intelectos anarquistas viam o futebol como elemento de alienação. No entanto, incentivavam qualquer ação que gerasse protagonismo das massas trabalhadores, mesmo na área do esporte.

Afirma-se que Michelle (Miguel) Bataglia, nosso primeiro presidente, teria aprendido sobre a doutrina anarquista no período em que trabalhou na empresa de energia Light, nos primeiros anos do Século 20.

Bataglia pronunciou a frase que nos define: “o Corinthians vai ser o time do povo, e é o povo que vai fazer o time”. Trata-se de “ação direta”, princípio libertário segundo o qual o cidadão deve atuar de forma prática para aprimorar a sociedade. Essa é a busca de protagonismo defendida pelos ítalo-anarquistas.

Nesse segmento da comunidade ítalo-brasileira via-se já presente o apreço pela diversidade, pela miscigenação e pela universalização de direitos.

O projeto de fundação já exibe essa característica. Não importa a raça e o credo do associado. O objetivo é criar uma experiência transdisciplinar (os fundadores já falavam em bibliotecas) de inclusão e compartilhamento de experiências.

O Palestra Itália surge em 1914, supostamente orgulhoso da performance do Pró-Vercelli e Torino, agremiações que excursionaram pelo Brasil. O objetivo claro é criar um grande clube que congregue e represente a colônia italiana da cidade.

Entre os fundadores, destacam-se funcionários da Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo. A primeira camisa do time tem como símbolo a cruz de Savoia, em homenagem à monarquia italiana.

Com o tempo, a influência dos diretores do conglomerado Matarazzo faz com que o clube atraia ítalo-brasileiros associados a outros clubes.

Cabe lembrar que, em 1920, a aquisição do campo de futebol e do terreno do Parque Antarctica somente é possível por meio de pesado investimento da própria Companhia Matarazzo.

As diferenças estão, portanto, expostas. O Corinthians é um clube de trabalhadores diversos, não somente operários, com forte influência do movimento anarquista e do pensamento de esquerda. É, por natureza, simpático à miscigenação cultural.

O Palestra Itália congrega operários e também figuras proeminentes da comunidade, especialmente no segmento industrial. Há um viés conservador, especialmente no grupo dirigente. A proposta é preservar identidades e estabelecer uma genuína representação da comunidade italiana.

O primeiro gol do Corinthians foi marcado por Luigi Salvatore Fabbi, italiano de Parma, no campo do Bom Retiro, em partida contra o Estrela Polar, em Setembro de 1910. Em 1914, Fabbi transferiu-se para o Palestra Itália.

O primeiro gol do Palestra Itália foi anotado em 1915, por Bianco Spartaco Gambini, em jogo contra o Savoia. O jogador atuaria pelo clube por 17 anos. Cabe lembrar que Bianco jogou pelo Corinthians em 1914. Foi campeão paulista. Como capitão, foi o primeiro atleta a levantar a taça pelo alvinegro.

Ao lado de Neco, Amilcar foi o grande destaque do Corinthians em seus primeiros anos, pelo qual jogou de 1913 a 1923. Depois, também transferiu-se para o rival, no qual fez 100 jogos, entre 1924 e 1930.

Parte desse processo de migração se explica pelo golpe de 1915, quando o Corinthians se desligou da Liga Paulista de Futebol para se filiar à Associação Paulista de Esportes Atléticos. A liga da elite, entretanto, não inscreveu o clube dos operários e o deixou de fora do torneio.

Neste ano, portanto, o Corinthians ficou de fora dos dois torneios paulistas, o que explica o reforço concedido ao Palestra. Cabe salientar que, na época, era comum que um mesmo jogador defendesse duas ou mais equipes. Era o caso dos atletas do Botafogo, que compunham a base do primeiro esquadrão corinthiano.

No caso de Bianco, acredita-se que a transferência tenha origem no interesse da família Gambini em participar de um clube exclusivo da colônia. A questão de Amílcar está ligada, afirma-se, a problemas da família Barbuy com a direção corinthiana da época.

De fato, portanto, não há qualquer desmembramento no Corinthians que valide a teoria de que uma dissidência direta criou o principal rival. Nos primeiros 20 anos de Corinthians, a presidência foi ocupada várias vezes por ítalo-brasileiros, como Bataglia, Magnani, Giacominelli, Cassano, Tipaldi e Collona.

É certo, porém, que já ao final da segunda década do Século 20 gerou-se um clima de antagonismo entre os dois clubes, alimentado também por visões de mundo divergentes.

Se muitos corinthianos participaram da greve anarquista de 1917 (vide eventos do jogo contra o Ypiranga, em 22 de Julho daquele ano), há evidências de que o Palestra seguiu rumo contrário, especialmente por contar com o apoio financeiro das indústrias Matarazzo.

Com o advento do fascismo, as diferenças de pensamento se tornaram mais claras. Para muitos, Mussolini era a Itália, e a Itália no Brasil era representada pelo Palestra.

Embora não exista registro de baixas oficiais entre os associados alvinegros, não há dúvida de que algumas famílias, originalmente simpáticas ao Corinthians, acabaram aderindo à proposta do exclusivismo itálico.

Com o passar do tempo, mantiveram-se as divergências de pensamento, enquanto crescia a rivalidade nos gramados. Este, entretanto, tem por objetivo lançar luzes apenas sobre os primórdios dessa disputa que vai muito além do futebol. O resto rende um livro inteiro.

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