Autor: Walter Falceta Jr.
Ontem, por ocasião dos debates em torno das
declarações do "sabe-tudo" Emir Sader, o colega Thales Migliari nos brindou com
a foto em que a torcida corinthiana desafia os tiranos militares e exibe uma
faixa em favor da Anistia Ampla Geral e Irrestrita.
Essa imagem costuma frequentar os debates sobre
futebol e política, mas pouca gente conhece os segredos dessa intervenção
histórica, ocorrida em 1979, ainda na vigência da Ditadura.
O protagonista do caso é o CORINTHIANO Antonio
Carlos Fon, jornalista respeitado e ético, que ganhou os principais prêmios
brasileiros da categoria, como o Esso e o Vladimir Herzog.
Mestiço do mundo, Fon é 50% chinês, por
contribuição do pai. Pela parte da mãe, tem 25% de sangue índio, 25% de sangue
africano.
Foi membro da Aliança Libertadora Nacional,
participando ativamente da resistência à Ditadura. Era apelidado de "pequeno
grande guerreiro", por ser baixinho, magrinho e destemido.
Foi preso, torturado e respondeu a processo
instaurado com base na famigerada Lei de Segurança Nacional.
Foi um dos fundadores do Partido dos
Trabalhadores (PT) e presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de
São Paulo, no início da década de 1990.
Abaixo, numa fusão de dois depoimentos, um
deles para a Fundação Perseu Abramo, ele conta, com suas próprias palavras, como
a resistência democrática e a Fiel marcaram um gol de placa contra a
repressão:
“ Em 1979, nós parentes e amigos de perseguidos
políticos, tínhamos fundado o Comitê Brasileiro pela Anistia.
Mas, a palavra de ordem anistia estava muito
restrita aos intelectuais, setores mais politizados e aos familiares e
discutíamos muito como levar isso para o povo.
Um dia eu estava conversando com o Chico
Malfitani que trabalhava comigo na Veja, e disse para ele: ‘O que precisamos
mesmo é levar a palavra de anistia para a torcida do Corinthians, para o
povo’.
O Chico era um dos pioneiros da Gaviões e
disse: ‘Vamos fazer’. Combinamos fazer isso num jogo Corinthians e
Santos.
No dia, o Chico teve um problema familiar e
chegou um pouco mais tarde, mas nós entramos, conversamos com o pessoal com quem
ele tinha acertado e avisamos somente uma pessoa na imprensa: Osmar Santos, que
era um locutor esportivo mais conhecido e de esquerda, ligado às lutas
democráticas.
E o Osmar Santos, anunciou: ‘A Gaviões vai
fazer uma surpresa quando o time entrar em campo’. E isso levou todas as outras
rádios, emissoras de TV e jornais a ficar esperando.
Na hora em que o time entrou, muitos fogos,
aquela fumaça... E abrimos a faixa. Na hora que a fumaça baixou estava lá:
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.
Quase todo mundo fotografou e isso foi para o
Brasil inteiro. E realmente conseguimos o objetivo; só que a PM tentou subir
para nos prender.
Quando a polícia começou a subir os degraus da
arquibancada, os torcedores da Gaviões da Fiel deram-se os braços e fecharam o
caminho.
Os soldados da Polícia Militar ainda tentaram
forçar a passagem mas, nas fileiras de trás, milhares de outros corinthianos,
braços dados, formando uma massa compacta, começaram a gritar, ameaçando descer
as escadarias do estádio do Morumbi.
O comando do policiamento deve ter avaliado a
situação e dado uma contra-ordem, porque os PMs recuaram, desistindo de chegar
até nós.
- "Eles estavam falando da nossa faixa"- dizia
um torcedor ao meu lado, rádio de pilha colado no ouvido, boné e camiseta do
Corinthians e um sorriso nos lábios.
Eu jamais o vira antes e nem o encontrei
depois, mas nunca o pronome possessivo na primeira pessoa do plural (nossa) me
pareceu tão saboroso.
- "Anistia, ampla, geral e irrestrita" – dizia
a faixa, e o fato dele a chamar de "nossa" tinha, para mim, pelo menos, um
significado que ultrapassava em muito aquela fugaz solidariedade que se
estabelece nos campos de futebol entre torcedores do mesmo time: a bandeira era
minha e da torcida do Corinthians.
Só que o outro companheiro que tinha levado a
faixa, Carlos MacDowell, era santista e ele disse: ‘Fon, não vou ficar
assistindo o jogo aqui na torcida do Corinthians. Vou assistir da torcida do
Santos’.
Ele desceu e a PM o prendeu. Ele ficou preso
pouco tempo, porque já tínhamos um esquema com o advogado Luís Eduardo
Greenhalg, que o liberou no DOPS.
O engraçado, é que tive que fazer uma matéria
para a Veja e ir ao DOPS para entrevistar o Edsel Magnotti, delegado titular que
era quem prendia e torturava a gente.
E aí ele demorou um pouco para me receber.
Quando entrei, atrás da mesa dele estava uma ampliação enorme da faixa e eu lá,
segurando ela. Era aquela coisa, como se ele tivesse dizendo: ‘Olha aí seu filho
da mãe, eu sei que foi você’."
* Naquele jogo, realizado no Morumbi, com
público de 108 mil pessoas, Sócrates abriu o placar, aos 26 do primeiro tempo,
mas João Paulo empatou para o Santos, 11 minutos depois.
O segundo tempo foi duramente disputado e já se
imaginava um empate. Aos 36 minutos do segundo tempo, no entanto, Palhinha
marcou e decretou mais uma vitória corinthiana.
Naquele ano, o Corinthians foi campeão mais uma
vez!
Crédito do
texto e de imagem
Walter Faceta
Júnior/ facebook.com/groups/brigadamiguelbataglia
Nenhum comentário:
Postar um comentário