terça-feira, 6 de novembro de 2012

Considerações sobre nova administração em S.Paulo / CARTA MAIOR



05/11/2012

A grande obra de Fernando Haddad


A principal peça de resistência às políticas de justiça social consiste em negar sua pertinência. Para isso é necessário esconder os pobres. Em São Paulo isso tem sido feito com afinco pelo conservadorismo e seus representantes.

A classe média de São Paulo concentra-se em bairros centrais ou vive em condomínios blindados. Diferente do que acontece no Rio de Janeiro, ela não enxerga, não transita, pouco conhece das periferias localizadas nos extremos de uma capital que se espalha por 1500 km2.

A viseira geográfica é afunilada pelo filtro midiático que omite ou acentua os abismos com a lente do preconceito.

A periferia só é 'pauta' quando jorra sangue ou 'cria' problemas.

Encapsulada pelos pés e pela mente, a classe média de São Paulo é induzida a olhar a cidade informal como os israelenses enxergam os palestinos. São os seus árabes.

O lacre ideológico permite desdenhar impunemente das políticas federais destinadas a superar esses abismos em todo o país.

Foi o que fez, mais uma vez, o candidato da derrota conservadora em SP, José Serra, na campanha municipal deste ano:'Esse tal de Minha Casa Minha Vida é um enganação. Se tudo o que propuseram for espetacularmente bem feito, vão fazer uns 20%', disparou em um comício.

O preço elevado dos terrenos encarece a construção popular. A alegação tucana é verdadeira. Mas será verdade a ponto de nivelar o total de contratações do Minha Casa Minha Vida ao desempenho de uma cidade como Guarulhos, por exemplo, que tem população dez vezes inferior a da capital?

Até meados deste ano São Paulo e Guarulhos haviam contratado 11 mil unidades pelo programa federal. Guarulhos tem 1,2 milhão de habitantes; São Paulo reúne 11 milhões de moradores; quase 20% vivem em condições precárias, 400 mil em favelas, quase dois milhões em cortiços, beiras de avenidas, terrenos alagáveis etc.

É a resistência elitista, mais que a falta de terrenos, que explica por que recursos federais de R$ 250 milhões para construir creches, por exemplo, também foram ardilosamente negligenciados pelo consórcio Serra/Kassab.

137 mil crianças estão sem vagas nas creches da cidade. O dinheiro federal seria suficiente para erguer 137 novas unidades; nenhuma foi feita.

Os programas federais que prosperam em SP são aqueles em que a iniciativa individual dispensa a intermediação da parceria com o poder local. Ainda assim, cercados de birra conservadora, como é o caso do ProUni ou o Enem.

Tudo isso foi pontuado na disputa eleitoral. Mas a insistência dos dados avulta um escândalo que não se dissipa após as urnas.

Nesta 2ª feira, o insuspeito 'Estadão' informa que São Paulo tem o pior índice de inclusão no Bolsa Família de todo o Brasil.

Apenas 44% das 500,6 mil famílias pobres da capital foram cadastradas no programa pela prefeitura, informa o repórter Roldão Arruda. O índice do Rio de Janeiro é de 74%; no Nordeste e Norte, gira em torno de 100%. Florianópolis, com 61% e Goiânia, 65%, são os mais baixos do país.

O caso de São Paulo, portanto, não é um cochilo: é uma excrescência conservadora.

A vice prefeita Alda Marco Antonio (PSD) alega que é difícil chegar aos pobres paulistanos. Fossem informados através de uma campanha massiva de cadastramento pelo rádio e TV --o SP TV recusaria um pedido nesse sentido?-- os pobres da cidade desdenhariam da bolsa federal?

Ou a perversão do interesse político tem falado mais alto, a ponto de subtrair da pobreza local repasses de R$ 354 milhões por ano pelo não cadastramento de dezenas de milhares de famílias miseráveis?

As evidências de uma penalização instrumentada se sucedem como num caleidoscópio que conduz sempre à mesma mensagem: a São Paulo tucana pune os seus pobres para impedir que programas federais ameacem seu curral de votos.

Simplesmente romper o casulo conservador já trará algum ar fresco à capital. Nada substituirá, porém, a tarefa de devolver à cidade o comando do seu destino.Isso quem faz é a participação política da população.

Abrir canais para que moradores pobres e de classe média possam discutir problemas comuns e pactuar prioridades é a grande obra que se espera do novo prefeito que toma posse em janeiro.

As dimensões superlativas da cidade não podem ser evocadas como barreira à democratização do seu comando.

Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social prosperam em vários pontos do país, a partir da iniciativa pioneira do governo Lula, que criou o CDES federal logo em maio de 2003. Por que São Paulo não pode ter um aberto às lideranças e movimentos sociais ?

Não só. Ainda no governo Lula, 73 conferencias nacionais setoriais foram organizadas. Mobilizaram mais de cinco milhões de pessoas, desde as instâncias locais, até os encontros de delegados nacionais em Brasília.

Estavam cercadas de barreiras institucionais. Mas arguiram políticas e formularam propostas. Sobretudo, apontaram um caminho capaz de estender a escuta forte da sociedade para além do calendário eleitoral.

Na campanha de 2010, o então adversário de Dilma Rousseff, José Serra, criticou esse instrumento, ao descartar a regulação da mídia proposta em uma delas: ' São conferências, desde logo, pagas com dinheiro público, pagas com dinheiro de todos os contribuintes. Quantas pessoas podem ter participado dessas conferências, 15 mil, 20 mil? Isso não representa o povo brasileiro", bradou a goela tucana.

Para Serra e assemelhados a vontade da elite será sempre mais ampla que o discernimento popular. Foi o que norteou a vida de São Paulo nos últimos oito anos, com os resultados sabidos --que as urnas rejeitaram. 
Postado por Saul Leblon às 18:22

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