sábado, 26 de janeiro de 2013

Parabens São Paulo de todas as raças e credos


Boa leitura, e FELIZ ANIVERSÁRIO, SAMPA!!

Do Blog do Rafael Castilho

Inúmeras poesias e canções foram compostas para homenagear as maravilhas das cidades mais bonitas do mundo.
Brilhantes compositores narraram a Bahia de Todos os Santos, tomados de amores pelo luar, os coqueirais, o mar, a preguiça gostosa, as festas sem fim, o orgulho da raça negra, o beijo do beija-flor e a paz de espírito.
E o Rio de Janeiro então? Nem se fala. O êxtase de paixões pela cidade maravilhosa foi transformado em manifestações artísticas e até mesmo um gênero musical foi criado afim de contemplar a overdose de delicias que conquistou o mundo na metade do século vinte. A Bossa Nova cantava baixinho, para o mundo inteiro escutar como viver no Rio era pura poesia.
E assim se faz até hoje, com tantos lindos elogios ao sertão, ao Nordeste, à Amazônia.
No entanto, é muito difícil elogiar São Paulo.
Adoniran narrava a cidade mecânica e insensível que seguia seu ritmo continuo, inevitavelmente em descompasso com com o indivíduo e suas aspirações humanas. O romantismo sendo vencido pela obsessão ao progresso.
O Caetano Veloso bem que tentou, mas logo avisou que “narciso acha feio o que não é espelho”. Narcisista que só ele, compôs uma lindíssima canção reclamando da dura realidade de quem vem de outro sonho feliz de cidade. A delicada primeira frase “Alguma Coisa acontece no meu coração” (seria um enfarte?) logo se converte numa seqüência de queixas que captura muito bem o espírito de quem vive nesta cidade, pois não esconde uma oculta satisfação em ser parte integrante deste desarranjo que é Sampa.
Nos dias de hoje, poucos artistas se atrevem a narrar com tanto interesse e coragem o cotidiano de São Paulo como os “rappers”. O rap se converteu na “genuína” música paulistana. Obviamente, falo “genuína” com todas as aspas do mundo, porque na terra dos mestiços e retirantes, é no mínimo desnecessário e ridículo reivindicar alguma espécie de pureza.
No caso do Rap, mais uma vez a cidade é o cenário das grandes injustiças e do desespero.
Chega a ser curioso e tema de uma próxima análise, que de Adoniran à Mano Brown, os pobres de São Paulo perderam sua ternura.
Com Adoniran Barbosa, a queixa era conformista e a resistência desnecessária. A irreverência era o único manifesto contra os poderosos. Seja no Trem das Onze que demorava a passar, o Despejo na Favela e a Saudosa Maloca derrubados pela especulação imobiliária, ou mesmo a enchente que destruiu os barracões, em que o único recado possível era “Guenta a mão João!”.
Com Mano Brown, os pobres cansaram de esperar a divisão do bolo que nunca veio. A doçura se foi. As injustiças e as desgraças foram demasiadas e prolongadas. A irreverência deu lugar à revolta e a insubordinação.
Será mesmo que não existe amor em SP, conforme pregou o Criolo?
Mas não é somente nas canções em que o paulistano se queixa de sua cidade.
O passatempo preferido de quem vive em São Paulo é reclamar da dura vida que levamos na mais rica e importante cidade da América Latina.
Que São Paulo é a cidade mais importante, é bem provável. Até porque, algum motivo deve haver para que as pessoas se recusem a deixar um lugar que seria tão abjeto pelo estranho medo do esquecimento. De alguma forma, todos aqui se sentem protagonistas e testemunhas oculares de seus tempos históricos.
Mas que São Paulo é a cidade mais rica, apenas desconfiamos. Todo mundo passa o mês fazendo conta pra saber se o ordenado vai alcançar a sobrevivência nesta Cidade cada dia mais cara. Pensando bem, São Paulo deve mesmo ser a cidade mais rica. Só não sabemos certamente para quem ela é mais rica. Se vê muita riqueza por aí, mas como é difícil sobrar algum no bolso no final do mês. Alguém menos insatisfeito com São Paulo deve gozar bem a vida com a grana que escorre entre os nossos dedos.
Quando chega algum feriado, os paulistanos puxam o carro e vão embora para algum lugar que valha a pena mesmo viver. Vão para longe deste inferno insuportável que é São Paulo.
Mas por que voltam?
Não vem com essa que voltam somente para trabalhar e que São Paulo é a única cidade que gera oportunidades profissionais.
Conta outra!
Há gente esperando por décadas uma única oportunidade, mas também não se encoraja em ir embora definitivamente.
Por que, depois de um tempo longe de casa, quando a gente chega à cidade pela Marginal Tietê, respiramos fundo e sorrimos alegremente por estarmos de volta à São Paulo?
Viver nesta cidade é um típico caso de Amor Vagabundo!
A gente fala mal, se ofende, mas basta um tempo longe e começa suplicar por este amor derradeiro.
Prometemos a nós mesmos que vamos largar essa “droga”, mas caímos doidos de amores e saudades.
São Paulo não tem paisagem, mas o visual atormentador deste monte de concreto amontoado é a moldura de nossas vidas.
Em São Paulo não se sabe o nome dos vizinhos e ninguém fala com ninguém. É uma frieza só. Mas depois de um tempo ninguém ousa abrir mão da deliciosa conveniência que é o anonimato. Tem coisa melhor do que fazer todas as bobagens possíveis e no outro dia ninguém lembrar que você existe, livre de um torturante e definitivo estígma?
Não é adorável quando ninguém pergunta o seu sobrenome para saber a qual família “tradicional” você pertence?
Comer uma esfiha de 1 Real e ser tratado dignamente pelo garçom, sem que ele tente adivinhar quem é você e aonde você mora para decidir a maneira como você será servido?
E o conforto de nunca ser o suficientemente esquisito? Basta caminhar pelo Centro ou pela Avenida Paulista para se deparar com uma fauna das mais diferenciadas e se dar conta que sempre haverá alguém mais esquisito que você.
Apesar desta Velhocracia conservadora e mal humorada, aqui estamos nós, tentando viver da maneira menos ordinária possível.
Se São Paulo é caótica, dentro do peito da gente tudo é caos também.
Nem sempre se ama da maneira mais bem comportada possível.
As vezes os amores são contraditórios e desavergonhados.
Amores infiéis e estúpidos.
Amores concretos e obscuros.
Amores cheios de saliva, suor, fluídos, combustíveis, fumaça, álcool, fuligem e monóxido de carbono.
Os amores nem sempre são ordenados e disciplinados.
As vezes os amores nos envergonham.
Amores que nos tornam impotentes.
Amores injustos.
Amores que revelam na nossa fraquezas as nossas maiores fortalezas.
Alguns amores nos fazem dar tudo de nós. Nos deixam endividados, sem grana até para o busão.
As vezes a gente ama mas só pode mesmo oferecer o amor, porque não dá para pagar uma pizza na Mooca, um pastel na feira, um Sunday do Mc Donald’s, um mixto na padoca ou um pernil no Estadão.
Alguns amores nos trazem a sorte grande.
A repentina percepção que o acaso se deu conta da nossa imperceptível existência entre mais de uma dezena de milhões de seres humanos.
O fato é que nem todos os amores são contos de fada.
Por isso mesmo, nem todos os amores são contemplativos.
E São Paulo é um destes amores vagabundos e caóticos.
Como em todos os amores, não existe uma receita comum para lidar.
A gente vive e pronto.

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