sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Futebol/ Corinthians, seu destino! (brigada Miguel Bataglia)


QUARTA-FEIRA, 13 DE FEVEREIRO DE 2013

Futebol Antigo x Futebol Moderno

Há anos, acompanho a campanha mundial (sim, mundial) contra o aquilo que se convenciou chamar de "futebol moderno", aquele gerido como ativo comercial segundo as regras do sistema capitalista de trocas.

No Brasil, na Argentina, na Inglaterra, na Espanha e na Itália, há grupos anarcomilitantes promovendo campeonatos que recuperam a espontaneidade do chamado "futebol antigo", aquele que não constituía um mercado e que não gerava receitas a partir de valores intangíveis.

Sem deturpar os conceitos em análise, podemos elencar outras duplas de oposições dicotômicas: "família moderna" x "família antiga", "festa moderna" x "festa antiga" e até mesmo "amor moderno" x "amor antigo".

Se pudermos nos deter no primeiro exemplo, teremos alguma noção dessa metamorfose nas relações sociais.

A família tradicional cristã, pelo menos aquela fundada em princípios cristãos, no período pós-revolução industrial, trocou, aos poucos, o esforço pela sobrevivência pelo empenho no carinho.

Explica-se: até meados do Século 19, a expectativa de vida em vários países europeus não excedia 40 anos. As taxas de mortalidade infantil era altíssimas, até mesmo na Inglaterra, país que deu partida ao motor da revolução das máquinas.

Um pai de sucesso, portanto, era aquele que lograva levar seus herdeiros até a vida adulta. Casais que perdiam tantos filhos pelo caminho trocavam o apego pelo empenho.

Muitos de nossos avós e bisavós viveram esse dilema. Como amar muito o que pode desaparecer a qualquer momento?

Minha avó corinthiana nascida na Galícia perdeu seu filho querido aos 6 anos de idade, vítima da difteria, numa mesma São Paulo que perdera milhares de habitantes na Gripe Espanhola, em 1918.

Cabe lembra também que, do ponto vista histórico, o casamento "amoroso" é muito recente. Durante milênios, esses enlaces, para ricos e para pobres, era regrado pela conveniência, muitas vezes laboral.

Desse ponto de vista, a família funcionava como uma equipe de trabalho, fiel é mal paga, fosse nos cafezais ou nas oficinas urbanas.

A família rural, insegura, dependente dos fenômenos naturais, cedeu à família produtora operária da era industrial, explorada direta ou indiretamente pelas grandes corporações nascentes.

A história da vida privada não é uma história de confortos, especialmente no Brasil, cujos fundamentos de uma economia "para todos" surge apenas na década de 1930, no bojo do Getulismo.

Pelo mundo, as famílias antigas sofreram com os serviços médicos precários ou inexistentes. Para se ter uma ideia, a penicilina somente foi descoberta em 1928 e passaram-se anos até que se tornasse acessível. Nas famílias, gente morria por conta de uma corriqueira infecção dentária.

Essa constatação tem como objetivo apagar essa ideia de que o antigo era sempre melhor. Aliás, esse mito é utilizado por certas mentes doentias da direita para dar ares de paraíso ao pântano temporal que nos representou a Ditadura Militar.

O que é velho, portanto, nem sempre é melhor. Frequentemente, é pior. Não sejamos tolos ou ingênuos. "Roubar" mulher a cavalo parece algo excitante hoje, mas, convenhamos, não era a maneira mais cômoda de começar uma vida a dois.

O futebol antigo, pelo menos o nosso, começou na Várzea do Carmos, que é aquela área à volta do Rio Tamanduateí, botando de um lado o Centro Velho e, do outro, o Brás, na banda Leste.

Ali, funcionaram os nossos primeiros mercados populares, nossas primeiras "lavanderias" e também nossos primeiros namoródromos, obviamente alvo das vetustas autoridades bandeirantes.

Era um lugar de farras, diversões e atividades físicas, mas também de muita encrenca, de facadas e sarrafadas. A turma d nosso antecessor, Botafogo, vivia às turras com a polícia.

O maior problema era justamente o verão. Nessa época de chuvas, os rios transbordavam e sobravam poucas áreas para se praticar o esporte bretão.

No caso do Corinthians, uma das grande sacadas foi justamente construir a praça de esportes no alto do Bom Retiro, no Lenheiro, o que propiciava uma atividade ininterrupta durante todo o ano.

Por incrível que pareça, o Corinthians gerou, no âmbito popular, uma revolução nas práticas de gestão do esporte. O clube dos operários tinha organização, estatuto e estabeleceu um sistema de contribuição financeira dos associados.

Curiosamente, esse modelo administrativo lembrava aquele de várias associações anarcolibertárias da região, como a Escola Germinal e os jornais militantes, ao estilo do La Battaglia.

Ao postular um lugar entre os grandes, na Liga, o Corinthians radicalizou ainda mais esse processo de organização. Deixou de ser antigo para ser, efetivamente, moderno. Nessa segunda década do século passado, dezenas de outras agremiações baixaram as portas por não serem capazes de constituir uma gestão adequada às exigências do novo tempo.

Por isso, para o bem da verdade, convém cuidado ao se utilizar essa oposição de termos, seja no campo do futebol ou de outras manifestações sociais. O próprio pensamento anarquista coletivista não é saudosista, tradicionalista ou anti-tecnológico. Basta que se veja o progresso de certas comunas espanholas no período que antecedeu a Guerra Civil.

No campo específico do futebol, creio que existe uma confusão monumental, que mistura conceitos e desconsidera a realidade histórica.

Se a ideia é repelir o futebol moderno, conviria que retornássemos à várzea, onde debutamos. Mais ainda, seria necessário retornar a um período anterior ao futebol profissional. A ordem seria acabar com passes, salários e registros em carteira. Mas será que faz sentido?

Parece, portanto, que a demanda é outra. Muitos inimigos do chamado "futebol moderno" admiram o tempo de Claudio, Idário e Goiano, que já eram profissionais e viviam do ofício esportivo.

Talvez, portanto, a oposição seja outra: "futebol do coração" x "futebol da moeda". Essa, sim, parece uma dicotomia capaz de justificar indignações.

A Democracia Corinthiana, de Sócrates e Wladimir, constituiu um regime de co-gestão (vocacionado à auto-gestão) dentro do "futebol moderno". A ordem era democratizar a gestão, gerar cooperações, estabelecer relações com a comunidade, constituir aprendizados e estabelecer práticas de cidadania.

Efetivamente, não é possível mover a máquina do tempo para trás. Não voltaremos ao período pré-indústria, pré-penicilina, pré-salário. Este tempo, por enquanto, acabou. Retornará somente se o planeta for vítima de um grande cataclismo.

E, de alguma forma, será inevitável que o futebol se torne, sim, mercadoria no sistema econômico de trocas em vigor.

As pessoas que vibraram com a conquista da Libertadores e do Mundial de Clubes parecerão incoerentes se não enxergarem essa realidade. Esses torneios somente existem por conta do patrocínio de grandes corporações. E, não se engane, o mesmo se pode dizer do humilde Paulistão.

Parece inevitável uma história em que as marcas clubísticas tradicionais se misturarão com as marcas comerciais.

O que se faz necessário é aprofundar as reformas imaginadas na própria Democracia Corinthiana. É preciso trabalhar para se democratizar a instituição, para fazer com que inclua mais e mais fiéis, para construir no Corinthians uma referência de conquista plena da cidadania.

Nossa missão, desde 1910, FOI GERAR PROTAGONISMOS. A dupla Miguel e Salvatore planejava fazer do clube um centro de prática da luta cidadã. Por isso, o Corinthians é o time do povo, e deve ser feito pelo próprio povo, numa frase de Bataglia que repete um conceito do anarquista italiano Errico Malatesta.

De alguma forma, gerações e mais gerações de brasileiros e de imigrantes perceberam essa sacada espetacular dos fundadores. E é essa marca, impressa em nosso DNA, que explica o tamanho enorme de nossa torcida. É isso que explica tanta gente boa e decente cerrando fileiras conosco.

O Corinthians deve estar no mercado, sim, mas não deve ser jamais um clube destinado primordialmente a gerar negócios, como certa vez disse, de forma infeliz, o atual presidente.

NEGÓCIOS SERVEM COMO MEIOS E NÃO COMO FINS. A MISSÃO DO CORINTHIANS É GERAR PROTAGONISMO, GERAÇÕES SOLIDÁRIAS E SATISFAÇÃO PARA SEUS ADEPTOS. SOMOS UMA INSTITUIÇÃO DESTINADA A PRODUZIR RELAÇÕES COOPERATIVA E ALEGRIAS NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.

Neste "futebol moderno" podemos, portanto, ser diferentes e estruturar projetos que destruam os paradigmas do "futebol da moeda".

Existe um terceiro futebol, confundido com o antigo, que é o "futebol informal", este maravilhoso, docemente infantil, com fantásticas vocações gregárias.

Ele é disputado nas mesas de futebol de botão, nos corredores das casas, nas vielas, na ruas, nos terrenos baldios, nas praias, onde for possível mover a bola ou algo parecido com ela.

Muitos de nós praticamos esse esporte de informalidade, saudável, espetacular, fonte de enormes satisfações. Montamos nossos times, pintamos nossas camisas, desenhamos a cancha no asfalto. Tudo para o grande match contra o time da rua de cima.

Nessas aventuras infantis e adolescentes, muitas vezes copiamos nossos ídolos. "Sou o Sócrates passando de calcanhar", dizia um. "Sou o Neto", dizia outro, queimando o joelho ao comemorar um gol no tapete da sala.

Este, sim, é o espírito do futebol, que deve ser preservado em todos nós, amantes desse esporte mágico e agregador. E é essa chama de amor que deve ser potencializada, cada vez que a moeda quiser assumir o controle do jogo.
 
Walter Falceta Jr.

Nenhum comentário:

Postar um comentário