sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Postado em 10 out 2013por : Diario do Centro do Mundo É muito triste. Acabei de ouvir no Jornal da Globo uma inverdade, para não dizer o pior, sobre Norma Bengell. A apresentadora dizia que Norma Bengell era conhecida por ser desbocada. Chocante. Mais alguém com a memória borrada. E pela Globo. Norma Bengell foi uma grande artista, militante contra a ditadura que ousou lutar. Este país precisa parar com esta intolerância. A Norma foi um grande exemplo para a minha geração. Pouco falava. Ficava observando a garotada engajada dos anos 70. Não a conheci pessoalmente. Mas morei um tempo na mesma rua. Nunca ninguém viu a Norma ofender quem quer que fosse. Ela tinha um olhar condescendente e sempre saia com frases: ”Essa garotada é uma loucura. Não pára de dar festas”. E nunca se aborrecia com o barulho. A gente ria muito. E o comentário que se seguia: até a Norma me perguntou como eu aguentava festa dia e noite, dizia um dos pais das adolescentes. Os anos 70 foram do barulho. Ditadura militar e Lei de Segurança Nacional causaram um incômodo em gente que não gosta de ser controlada. Quando a Norma Bengell voltou do exílio perto do processo de abertura política tivemos a curiosidade natural de quem só a conhecia na tela grande. Ela dizia que havia voltado mas que sabia que o país estava aquela loucura. E estava mesmo. O Rio fervia. Cada um buscava uma válvula de escape para suportar aquela situação que parecia nunca terminar. Pela manhã quando a gente estava indo dormir ou indo para o trabalho ela pegava uma bicicleta de aro grande, toda paramentada e pedalava junto com a sua amiga em outra bicicleta, uma mulher loira alta e magra e seguiam as duas para a praia. Elas nos olhavam como pirralhas que dão trabalho aos pais. Daquele tempo eu me lembro somente de duas pessoas que pareciam querer viver a vida, passar aquela chuva, encontrar com os amigos. E que tinham um gato grande e cinza chamado Afonso a quem as duas chamavam à noite. E ele sempre desobedecia. Vendo hoje o que foi dito sobre ela me causa uma dor profunda no coração. Este país precisa mudar. Parar de sujar o nome do outro. Norma Bengell é parte da nossa história. Seu nome está na cultura, nas artes, na crônica desse país. É muito triste saber que Norma Bengell ficou doente, sem dinheiro, e foi processada por alegada apropriação indébita dos recursos do filme Guarani. E é bom lembrar que nos últimos vinte anos pessoas vêm sendo processadas e têm as suas biografias destruídas. Eu sempre me lembrarei de Norma Bengell como uma grande artista e estas palavras profanas que ouvi na Globo as jogarei na lata de lixo. Em lugar dela a crônica de um Rio de Janeiro que apesar da brutalidade do poder ainda se permitia sonhar. Na mesma rua havia um som de piano, músicos e artistas consagrados que desciam e subiam alegres, e eu e a minha turma de amigas que tínhamos o privilégio de assistir aquela cena como se estivéramos em um filme em algum mundo delicado em que cabem gatos e cachorros, porteiros, jovens rebeldes e muita festa e muita música. Que Deus tenha pena dos que profanaram a tua memória, Norma Bengell. Os que mesmo de longe como eu te conheceram e puderam alcançar a sua essência contarão outra história sobre você. Obrigada, Norma Bengell, por mesmo só te conhecendo de vista trazer dentro de mim tantas história boas de um tempo duro mas solidário. O texto acima, escrito por Julia Silveira, chegou ao DCM na forma de um comentário.

Norma_bengell
É muito triste. Acabei de ouvir no Jornal da Globo uma inverdade, para não dizer o pior, sobre Norma Bengell. A apresentadora dizia que Norma Bengell era conhecida por ser desbocada. Chocante. Mais alguém com a memória borrada. E pela Globo. Norma Bengell foi uma grande artista, militante contra a ditadura que ousou lutar. Este país precisa parar com esta intolerância. A Norma foi um grande exemplo para a minha geração. Pouco falava. Ficava observando a garotada engajada dos anos 70.
Não a conheci pessoalmente. Mas morei um tempo na mesma rua. Nunca ninguém viu a Norma ofender quem quer que fosse. Ela tinha um olhar condescendente e sempre saia com frases: ”Essa garotada é uma loucura. Não pára de dar festas”. E nunca se aborrecia com o barulho. A gente ria muito. E o comentário que se seguia: até a Norma me perguntou como eu aguentava festa dia e noite, dizia um dos pais das adolescentes.
Os anos 70 foram do barulho. Ditadura militar e Lei de Segurança Nacional causaram um incômodo em gente que não gosta de ser controlada. Quando a Norma Bengell voltou do exílio perto do processo de abertura política tivemos a curiosidade natural de quem só a conhecia na tela grande. Ela dizia que havia voltado mas que sabia que o país estava aquela loucura. E estava mesmo. O Rio fervia. Cada um buscava uma válvula de escape para suportar aquela situação que parecia nunca terminar. Pela manhã quando a gente estava indo dormir ou indo para o trabalho ela pegava uma bicicleta de aro grande, toda paramentada e pedalava junto com a sua amiga em outra bicicleta, uma mulher loira alta e magra e seguiam as duas para a praia.
Elas nos olhavam como pirralhas que dão trabalho aos pais. Daquele tempo eu me lembro somente de duas pessoas que pareciam querer viver a vida, passar aquela chuva, encontrar com os amigos. E que tinham um gato grande e cinza chamado Afonso a quem as duas chamavam à noite. E ele sempre desobedecia. Vendo hoje o que foi dito sobre ela me causa uma dor profunda no coração. Este país precisa mudar. Parar de sujar o nome do outro. Norma Bengell é parte da nossa história. Seu nome está na cultura, nas artes, na crônica desse país. É muito triste saber que Norma Bengell ficou doente, sem dinheiro, e foi processada por alegada apropriação indébita dos recursos do filme Guarani. E é bom lembrar que nos últimos vinte anos pessoas vêm sendo processadas e têm as suas biografias destruídas.
Eu sempre me lembrarei de Norma Bengell como uma grande artista e estas palavras profanas que  ouvi na Globo as jogarei na lata de lixo. Em lugar dela a crônica de um Rio de Janeiro que apesar da brutalidade do poder ainda se permitia sonhar. Na mesma rua havia um som de piano, músicos e artistas consagrados que desciam e subiam alegres, e eu e a minha turma de amigas que tínhamos o privilégio de assistir aquela cena como se estivéramos em um filme em algum mundo delicado em que cabem gatos e cachorros, porteiros, jovens rebeldes e muita festa e muita música.
Que Deus tenha pena dos que profanaram a tua memória, Norma Bengell. Os que mesmo de longe como eu te conheceram e puderam alcançar a sua essência contarão outra história sobre você. Obrigada, Norma Bengell, por mesmo só te conhecendo de vista trazer dentro de mim tantas história boas de um tempo duro mas solidário.
O texto acima, escrito por Julia Silveira,  chegou ao DCM na forma de um comentário.

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