segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Médicos repudiam atitudes de colegas: Que mal Dona Marisa causou a estes desumanos?

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Foto: Christian Braga, para os Jornalistas Livres
NOTA DO MOVIMENTO MÉDICOS UNIDOS
Pela ética, contra a banalidade do ódio
Inicialmente prestamos nossa homenagem a Dona Marisa Letícia, falecida hoje no Hospital Sírio e Libanês em São Paulo, expressando nossa solidariedade a toda a sua família e inúmeros amigos e antigos companheiros.
Dona Marisa foi uma ilustre cidadã brasileira, operária, sindicalista, militante política, mãe de família e dona de casa, primeira-dama do Brasil durante 8 anos.
Como médicos, também nos solidarizamos com sua família e lamentamos sua partida precoce, aos 66 anos, vitimada por um acid ente vascular cerebral, provavelmente atribuível, pelo menos em parte, ao enorme processo de estresse pessoal a que a paciente vinha sendo submetida nos últimos dois anos.
Assistimos com estarrecimento à manifestação e comportamento de diversos colegas de profissão durante o triste episódio da internação e morte de Dona Marisa.
A médica que divulgou imagens da tomografia cerebral da paciente; o médico que se manifestou em redes sociais dissertando sobre o método que garantiria o fracasso da terapêutica e aceleraria a morte; redes sociais de médicos fazendo troça com a imagem do defeito físico do marido da paciente, o ex-presidente Lula, comprazendo-se com o momento de dor do familiar.
Os exemplos são, infelizmente, inúmeros, constituindo um triste monumento iconográfico ao ódio, à intolerância e à absoluta incapacidade ética e humanista para tais profissionais exercerem a medicina.
A medicina não é uma profissão melhor que nenhuma outra. Todo trabalho humano é digno, e capaz de produzir o sentimento de orgulho e pertencimento ao esforço comum dos seres humanos em melhorar a vida e buscar a felicidade. Por isso, é preciso respeitar, proteger, dignificar o trabalho, nas inúmeras esferas da atividade humana.
Não sendo melhor que nenhuma outra, a medicina tem, entretanto, especificidades que lhe são essenciais. O médico escolhe esta profissão em nome da defesa da vida, não da morte. Da reabilitação, não da desqualificação e do estigma. Da dignidade do paciente, qualquer que seja ele, não do desrespeito e ofensas. Justamente por lidar com o cuidado a pessoas fragilizadas pela situação de doença, não se concebe um médico que não tenha uma visão humanista e solidária, empática, com o sofrimento.
Isto não tem relação com a posição política do médico. Como qualquer cidadão, ele terá suas escolhas ideológicas, sua visão de mundo, suas perspectivas de projeto de vida, sua filiação a segmentos partidários. De direita, de centro ou de esquerda. De apoio a projetos autoritários de condução da política. De desacordo radical com o modo de conceber a política dos partidos de esquerda. É um direito de todos terem e manifestarem suas posições políticas.
Mas não se deve reconhecer o direito, em nenhum cidadão ou cidadã, de nenhuma profissão, de expressarem suas posições políticas através do ódio, preconceito e intolerância. Isto se torna mais grave quando o cidadão que é médico lança mão de argumentos de sua profissão para expressar este ódio.
Vivemos no Brasil um caldo de cultura de ódio e intolerância, acentuados vertiginosamente a partir de 2014, e vinculados a um debate político que não se dá no plano da política, mas sob a forma de guerra, confronto, desqualificação das diferenças do outro.
Esta cultura do ódio e intolerância é nutrida e sustentada pela inaceitável coalização de parte de instituições do Estado (Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal) com os grupos dominantes da mídia, sob liderança do conglomerado Globo de rádio, TV e jornais.
Ações espetaculares de exposição vexaminosa de pessoas sob investigação, e o fornecimento de material sigiloso para ampla divulgação em telejornais são ferramentas de disseminação da intolerância e alienação.
A narrativa, repetida obsedantemente, de desqualificação da política e do pensamento de organizações de esquerda e dos movimentos sociais, produz as condições materiais e objetiv as sem as quais os efeitos da psicologia de massas do ódio e da intolerância não teriam emergido da forma tão assustadora como vem ocorrendo no Brasil.
Mas os determinantes políticos e institucionais da disseminação da cultura do ódio e intolerância não absolvem os indivíduos da responsabilidade por seus atos. Os médicos que disseminam e propagam esta cultura são responsáveis pelo que fazem. Infringem a ética das relações humanas, e a ética da profissão médica.
Cabe aos Conselhos Regionais e Nacional de Medicina saírem de sua posição contemplativa, e assumirem a responsabilidade de zelar pela ética da profissão médica.
Porém, mais do que uma tarefa de conselhos profissionais, cabe a todos nós, médicos e cidadãs e cidadãos brasileiros, iniciarmos um amplo movimento de reconstrução das bases solidárias e humanistas da sociedade. Antes que seja tarde demais.
Rio de Janeiro, 03 de fevereiro de 2017
MOVIMENTO MÉDICOS UNIDOS

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